quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Uma ilha muito além da fantasia

Tranebjerg, Dinamarca - Na ilha dinamarquesa de Samsø, exemplo excepcional de autossuficiência energética, até o leite de vaca ajuda a reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Samsø, com apenas 114 quilômetros quadrados habitados por pouco mais de quatro mil pessoas, fica na Baía de Kattegat, no Mar do Norte, cerca de 120 quilômetros a oeste de Copenhague. Sua merecida reputação se deve ao fato de gerar toda a energia que consome por meio de turbinas eólicas e painéis solares.

Desde que, em 1997, Samsø ganhou uma competição nacional para ser comunidade-protótipo no uso de fontes de energia renováveis, os samsingers – como se chamam seus habitantes – revolucionaram todos os aspectos de sua vida cotidiana para contribuir com a eficiência ambiental. Esta busca é tal que até mesmo a produção de leite de vaca é parte do sistema de aproveitamento energético. No momento da ordenha, o leite tem temperatura de aproximadamente 38 graus e deve ser esfriado imediatamente até três graus. Alguns produtores de Samsø acoplaram ao tanque coletor um mecanismo de transferência de temperatura para impedir que esse calor se dissipe no ar, o que permite usá-lo na calefação de suas casas.

Apesar de toda a engenhosidade, os pecuaristas ainda não encontraram solução para o metano e outros gases de efeito estufa gerados pela digestão bovina. Mas estudam o sistema aplicado em uma fazenda modelo da península de Jutlandia, que recicla os gases e dejetos da criação de porcos, que são usados como fonte de energia e fertilizante para cultivar tomates. Apesar de a transferência de calor do leite de vaca para a calefação doméstica ser um componente marginal do sistema de geração energética da comunidade de Samsø, ela ilustra os esforços da ilha para melhorar seu equilíbrio com a natureza.

A parte principal do sistema são 11 turbinas de vento, que geram uma média de 28 mil megawatts anuais, suficientes para fornecer eletricidade a toda a comunidade, alimentar todo o serviço de transporte coletivo da ilha e inclusive gerar excedente de 10% para vender a outras regiões dinamarquesas. Os benefícios econômicos dessa venda são reinvestidos no sistema local de energia renovável. Isso não significa que os samsingers tenham aposentado os automóveis e outros meios de transporte tradicionais. Por exemplo, as três barcas que fazem a ligação da ilha com terra firme consomem nove mil litros de petróleo por dia. Mesmo assim, Samsø vende mais energia limpa ao continente do que compra na forma de combustíveis fósseis.

A comunidade está disposta a experimentar os veículos elétricos. “As distâncias aqui são muito curtas, inferiores a 50 quilômetros”, disse ao Terramérica Søren Hermansen, diretor da Academia de Energia da ilha e pioneiro da revolução ambiental local. “Se a bateria de um automóvel elétrico pode acumular energia para, digamos, 120 quilômetros, então se converte em um acumulador, que nos permitiria não vender nossa energia limpa e utilizá-la aqui”, afirmou. Os agricultores adaptaram os motores de tratores e outros veículos para que consumam etanol ou outros combustíveis destilados da vegetação nativa, como a colza.

Samsø dispõe também de quatro geradores movidos a combustão de palha, abundante no território. Os geradores são duais: produzem calor e eletricidade, o que ajuda a aumentar sua eficiência. Em muitas casas foram instalados painéis solares, calefação geotérmica e caldeiras alimentadas com biomassa ou madeira tratada para eliminar as emissões de carbono. Ao uso de energia renovável, é acrescentada a vontade dos samsingers de reduzir seu consumo elétrico. Jytte Nauntoft, proprietária de uma loja de aparelhos elétricos em Tranebjerg, a cidade mais importante da ilha, disse ao Terramérica que todas as casas possuem o equipamento necessário para a vida cotidiana, desde refrigeradores e lavadoras até televisores. “Porém, como a eletricidade é muito cara, as pessoas aqui compram os modelos mais básicos e mais eficientes”, explicou.

Este complexo sistema de geração e de ganhos de eficiência fez a ilha deixar de ser totalmente dependente do petróleo e do carvão em 1997, início do experimento, para ser energeticamente autossuficiente em 2003, utilizando apenas recursos renováveis. Desde 2007, tampouco emite gases de efeito estufa. A certificação do balanço energético esteve a cargo da estatal agência dinamarquesa de energia e da consultoria Planenergi, coautoras da avaliação de 2007. Esses êxitos são analisados de acordo com a densidade energética, que mede a quantidade de energia ideal a ser gerada por unidade de área. Para o caso de Samsø, esta densidade deve ser de, pelo menos, dois watts por metro quadrado. “Samsø alcançou esta densidade no final de 2008”, disse Hermansen ao Terramérica.

O sucesso da experiência é tal que a ilha é frequentemente visitada por funcionários de governos estrangeiros, especialistas ambientais, jornalistas e estudantes de todo o mundo. Assim, chegou um grupo de visitantes da Organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe), que se reuniu, nos dias 24 e 25 do mês passado, em Copenhague, para reforçar o impulso político a um tratado climático que se espera seja alcançado em dezembro, também na capital da Dinamarca. Do encontro da Globe participaram parlamentares do Grupo dos Oito países mais poderosos (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia) e as nações emergentes Brasil, China, Índia, México, África do Sul, Austrália, Coréia do Sul e a anfitriã Dinamarca.

Hermansen disse ao Terramérica que, em recente visita a Samsø, o embaixador do Egito queixou-se de que a ilha é muito pequena para poder ser um exemplo mundial. “Quatro mil habitantes. Esta ilha representa menos do que três blocos de casas no Cairo”, disse o diplomata, ao que Hermansen respondeu: “O senhor não tem de revolucionar todo o sistema energético egípcio de imediato. Talvez devesse começar por reformar três blocos de casas no Cairo”. Além do sistema energético samginger, Hermansen também transformou o famoso lema ecológico “pensar globalmente, agir localmente”. O que “cada um de nós tem de fazer é pensar em termos ambientais locais e agir localmente. O resto se resolve por sinergia”, ressaltou.

Jörgen Tranberg, um dos produtores que utiliza o calor do leite de suas 150 vacas para aquecer sua casa, desenvolve a idéia de Hermansen. “Cada lugar tem suas particularidades. Como na Noruega há muitas cataratas, os noruegueses geram muita eletricidade com represas. Em Samsø sempre queimamos palha, que é abundante na ilha. Antes, era queimada ao ar livre. Hoje, a queima é feita em caldeiras altamente eficientes”, disse Tranberg ao Terramérica. O produtor considera necessário ver além do preço aparente dos combustíveis. “À primeira vista, os combustíveis mais baratos são petróleo e carvão. Mas ambos têm muitos custos ocultos, não expressos no preço de mercado”, acrescentou.

Um dos fatores que contribuiu para fazer de Samsø um sucesso é a participação dos moradores. Segundo Hermansen, quando o processo teve início, em 1997, ele já estava convencido de suas possibilidades. A chave, falou-se na época, era convencer a comunidade a participar economicamente da revolução. E funcionou. Hoje, os habitantes são proprietários privados das turbinas eólicas, dos painéis solares e do sistema de calefação comunitário de Samsø.

Imagem: Turbinas eólicas no Mar do Norte, vistas da ilha de Samsø (cortesia Academia de Energia de Samsø)

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS).
Fonte: Portal do Meio Ambiente

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