sexta-feira, 30 de abril de 2010

Espelho d'água


"E um homem disse: Fala-nos do Autoconhecimento.
E O Profeta respondeu, dizendo:
Vossos corações conhecem, em silêncio, os segredos dos dias e das noites.
Mas vossos ouvidos têm sede de ouvir o saber de vossos corações.
Desejais conhecer, em palavras, o que sempre soubestes em pensamento.
Desejais tocar, com vossos dedos, o corpo desnudo de vossos sonhos. E é bom que assim seja.
A fonte oculta de vossa alma precisa brotar e correr a murmurar até o mar;
E assim seria revelado aos vossos olhos o tesouro de vossas profundezas infinitas.
Mas que não haja medida para vosso tesouro desconhecido;
E não deveis sondar as profundezas de vosso conhecimento com cajado e bordão.
Pois o Eu é um oceano imensurável e sem fronteiras.
Não dizei: 'Encontrei a verdade', mas sim: 'Encontrei uma verdade'.
Não dizei: 'Encontrei o caminho da alma'. Dizei: 'Encontrei a alma enquanto seguia meu caminho'.
Pois a alma segue todos os caminhos.
A alma não caminha sobre uma linha, nem cresce como um junco.
A alma desdobra-se, como um lótus de inúmeras pétalas."
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(Gibran Kahlil Gibran)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Como Nasceram as Estrelas

"Pois é, todo mundo pensa que sempre houve no mundo estrelas pisca-pisca. Mas é erro. Antes os índios olhavam de noite para o céu escuro — e bem escuro estava esse céu. Um negror. Vou contar a história singela do nascimento das estrelas.

Era uma vez, no mês de janeiro, muitos índios. E ativos: caçavam, pescavam, guerreavam. Mas nas tabas não faziam coisa alguma: deitavam-se nas redes e dormiam roncando. E a comida? Só as mulheres cuidavam do preparo dela para terem todos o que comer.

Uma vez elas notaram que faltava milho no cesto para moer. Que fizeram as valentes mulheres? O seguinte: sem medo enfurnaram-se nas matas, sob um gostoso sol amarelo. As árvores rebrilhavam verdes e embaixo delas havia sombra e água fresca. Quando saíam de debaixo das copas encontravam o calor, bebiam no reino das águas dos riachos buliçosos. Mas sempre procurando milho, porque a fome era daquelas que as faziam comer folhas de árvores. Mas só encontravam espigazinhas murchas e sem graça.

— Vamos voltar e trazer conosco uns curumins. (Assim chamavam os índios as crianças.) Curumim dá sorte.

E deu mesmo. Os garotos pareciam adivinhar as coisas: foram retinho em frente e numa clareira da floresta — eis um milharal viçoso crescendo alto. As índias maravilhadas disseram: toca a colher tanta espiga. Mas os garotinhos também colheram muitas e fugiram das mães, voltando à taba e pedindo à avó que lhes fizesse um bolo de milho. A avó assim fez e os curumins se encheram de bolo, que logo se acabou. Só então tiveram medo das mães que reclamariam por eles comerem tanto.

Podiam esconder numa caverna a avó e o papagaio, porque os dois contariam tudo. Mas — e se as mães dessem falta da avó e do papagaio tagarela? Aí então chamaram os colibris para que amarrassem um cipó no topo do céu. Quando as índias voltaram, ficaram assustadas vendo os filhos subindo pelo ar. Resolveram, essas mães nervosas, subir atrás dos meninos e cortar o cipó embaixo deles.

Aconteceu uma coisa que só acontece quando a gente acredita: as mães caíram no chão, transformando-se em onças. Quanto aos curumins, como já não podiam voltar para a terra, ficaram no céu até hoje, transformados em gordas estrelas brilhantes.

Mas, quanto a mim, tenho a lhes dizer que as estrelas são mais do que curumins. Estrelas são os olhos de Deus vigiando para que corra tudo bem. Para sempre.

E, como se sabe, 'sempre' não acaba nunca."

(Trecho do livro "Como Nasceram as Estrelas", em que Clarice Lispector conta de seu jeito todo especial 12 lendas brasileiras.)

Feliz Dia do Índio!